16/08/2011
Aprender com a experiência Qual é o conhecimento necessário, relevante? Qual é o tempo em que determinadas práticas são aprendidas? Por que algumas se apresentam antes e outras depois? Por que são seqüenciadas de determinada maneira? Como se registram os avanços e as descobertas científicas ou tecnológicas? Quais são as exigências sociais e produtivas? De que maneira impactam no currículo? Estas são algumas perguntas que os docentes se fazem diariamente a fim de incorporar em suas práticas diárias de ensino o currículo mais adequado. Fonte: EducaRede Argentina - Edith Litwin Tradução: Airton Dantas
A organização do conhecimento que reconhecemos nos currículos dos diferentes níveis do sistema educacional ou em unidades acadêmicas das instituições de educação superior foi criada e recriada ao longo das décadas mediante processos complexos, às vezes amplamente participativos, às vezes especialmente criados para tal fim, tais como a consulta a especialistas, os trabalhos comparativos, a análise de fontes etc.
De acordo com os níveis do sistema, é possível identificar os critérios subjacentes à organização curricular. Qual é o conhecimento necessário, relevante? Qual é o tempo em que determinadas práticas são aprendidas? Por que algumas se apresentam antes e outras depois? Por que são seqüenciadas de determinada maneira? Como se registram os avanços e as descobertas científicas ou tecnológicas? Quais são as exigências sociais e produtivas? De que maneira impactam no currículo? Estas são algumas perguntas que os docentes se fazem diariamente a fim de incorporar em suas práticas diárias de ensino o currículo mais adequado.
Entretanto, podem ser reconhecidas diversas propostas de ensino entre as que são criadas ou impõem ao currículo outras formas de seleção. Sabemos muito bem que conhecer as expectativas decorrentes de uma avaliação condiciona mais de uma vez o ensino e, de modo geral, a aprendizagem. O processo de aprendizagem da informática entre adultos não respeita a seqüência planejada nem os temas selecionados para o ensino escolar. Perguntamo-nos, nesses casos, se esse currículo e essas escolhas são mais efetivas, valiosas, ou são simplesmente as respostas que os docentes dos diferentes níveis sustentam pelas desatualizações do currículo, por suas fragilidades em responder aos interesses dos jovens e às demandas sociais. Evidentemente essas perguntas resultam substantivas para justificar e entender as razões pelas quais um currículo “não-oficial” se impõe em relação ao construído e regulado pelo sistema educacional.
Os motivos pessoais
A escolha curricular ou a incorporação de temas não incluídos nos currículos permite-nos reconhecer que o recorte que fazemos está mais ligado aos nossos interesses ou ao que mais sabemos sobre um tema ou determinado problema. Outras vezes, a pedido dos pais, de gestores ou estudantes, são contemplados temas não previstos anteriormente. Motivos alheios à nossa vontade, ou mesmo particulares, podem diferenciar-se por mais ou menos compromisso em relação aos temas selecionados. Quando se compartilha o sentido da inclusão e se estabelecem relações com outros temas ou problemas, provavelmente o novo recupera significação para o desenho curricular estabelecido na instituição.
As razões cívicas, a formação em valores, as razões sociais
A formação cidadã, o compromisso com a sociedade para erradicar a injustiça, a análise cotidiana das circunstâncias, que revelam as conseqüências dos avanços desiguais e a iniqüidade, constituem um currículo moral, espontâneo, ao qual se acorre ou não, seguramente, com mais ou menos freqüência e ênfase em cada uma dessas questões, de acordo com a faixa etária das crianças e dos jovens, independente dos campos disciplinares ou dos temas desenvolvidos.
O desenvolvimento do conhecimento
As descobertas, os avanços tecnológicos, as notícias referentes ao desenvolvimento da tecnologia ou de experiências singulares dignas de notoriedade, devem ter lugar na vida das escolas ou do ambiente universitário. Poderão ser analisadas e reconhecidas em seu valor para mostrar de que maneira esses avanços impactam, modificam, ampliam ou reescrevem os conteúdos já selecionados. A vitalidade de um currículo se expressa pela maneira com que os avanços da ciência e da tecnologia o pemeiam.
Construir a experiência
Em síntese, nos diferentes níveis do sistema educacional, podemos reconhecer de que maneira os conhecimentos mais interessantes, os que expressam os avanços da ciência e da tecnologia, ou os que nos remetem aos problemas mais sérios ou complexos da sociedade, modificam as propostas curriculares. Em cada caso, é inegável que documentar os temas agregados, seus enfoques, as estratégias desenvolvidas, as atividades, sua inclusão ou não na avaliação, constrói o currículo vivido e gera um documento referente às práticas em sala de aula.
Mais de uma vez temos reconhecido, por meio das anotações feitas pelos docentes, as experiências que se construíram e que revelam avanços da organização curricular convencional. Contudo, o diário com a documentação ou o registro das atividades que conferem originalidade à tarefa deveria permitir-nos extrapolar os registros com vistas à construção dessas experiências.
Os elementos-chave para iniciar a análise consistem em recordar por quê, quem e como se iniciou a atividade, o tempo destino à sua análise, o interesse despertado, o processo cognitivo desencadeado – análise, síntese, generalizações, comparações –, as estratégias decorrentes – busca de informação, registros, debates –, o sentido da participação dos estudantes, as relações estabelecidas com o currículo, com os problemas da cotidianeidade ou os da sociedade contemporânea. Estas dimensões de análise permitirão um novo registro documental. Esse segundo registro, que extrapola a experiência transformando-a em avanço analítico a partir de uma perspectiva didática, poderia ser reconstruído à luz de sua valoração, de suas conclusões, aportes e vivências. Elabora-se, assim, um processo reflexivo em que é preciso considerar aspectos parciais e sentidos globais na constituição de uma nova narrativa, que reconstrói a experiência vivida.
Aprender com a experiência incluirá a comparação com outras experiências curriculares, o reconhecimento do valor do vivido e de que maneira se dará a incorporação de processos cognitivos, estratégias ou propostas de um currículo em outro. A construção do conhecimento em torno das práticas docentes requer a análise de inúmeras práticas, suas conseqüências e sentidos, incluindo as que se desenvolvem espontaneamente ou aquelas que estão para além do curriculum oficial. Ambas as propostas compõem e recompõem tudo o que acontece em sala de aula, incluindo conversas informais ou espontâneas, com o objetivo de construir uma enciclopédia pessoal da profissão docente.
A experiência na instituição
Compartilhar as análises com os colegas e reconstruir a experiência para narrá-la e conversar a respeito do valor das ações decorrentes permitem um processo de elaboração pessoal dos significados. Todavia, não é o único sentido. Se as instituições se constituem em espaços de trabalho colaborativo, as intervenções e reflexões de cada docente permitem crescimentos substantivos ao grupo. É assim como em cada instituição se desenvolvem o currículo oficial e o currículo construído pelos docentes, que expande, potencializa e dá vida à organização dos conteúdos.
Falsas oposições: planejar os avanços do currículo formal ou recuperar as atividades espontâneas dos docentes para elaborar currículos flexíveis, autônomos e colaborativos.
Na formação docente, e em inumeráveis cursos de atualização, são recorrentes as situações e a ênfase na aplicação do currículo e nas maneiras mais adequadas de fazê-lo, nas estratégias e nos métodos relevantes para produzir conhecimentos significativos. Os docentes aprendem ao planejá-las e, em um processo reflexivo posterior, a questionar seu valor ou reelaborá-las em decorrência das próximas atividades. Entretanto, haveria outros modos sistemáticos de adquirir conhecimento, que foram descartados ou não tiveram espaço similar. São as atividades espontâneas dos docentes, ou aquelas pensadas para além do currículo.
Com todas elas, pode-se construir um espaço no qual a experiência tenha lugar fundamental. Aprender com a experiência implica reconhecer o valor formativo e especializado que encerra analiticamente o realizado, estudar o sentido que inspirou cada uma das propostas, os resultados obtidos, para além das avaliações formais. Aprender com a experiência poderia constituir um verdadeiro programa especializado para a docência de singular valor que, ao transcender os formatos oficiais, mostre-nos o outro lado do fazer profissional. Trata-se apenas de encontrar métodos adequados para isso e de construir um espaço para possibilitá-lo como mais uma proposta nova, dentre tantas outras, no campo educacional.
Veja também:
Edith Litwin, diretora do mestrado em Tecnologia Educativa da Universidade de Buenos Aires, fala ao TV EducaRede sobre uso da técnologia no ensino.